quarta-feira, março 29, 2006

TABACARIA

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é(
E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso?
Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio?
Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas
-Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim?
Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeiraE continuo fumando.Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira.
Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

Álvaro de Campos, 15-1-1928

Escrito 74 anos antes do meu amor nascer. Adoro-te filha.... este poema vai ser a minha melhor prenda de aniversário.... juntos iremos analisá-lo.... e ver que é o melhor roteiro para a vida.

quinta-feira, março 23, 2006

Primavera

Perco-me nos teus beijos
Ardo em desejo de tanto te amar....
Afogo-me em palavras a suar...
Sabes-me a estevas na serra...
a sopros na planura do alentejo.

És quente amor....
Quando te desejo no fim da noite....
Ao início da tarde....
sente amor....
Como corro na loucura de estar contigo....

Juntos somos um só....
Nada mais existe....
Só esta vontade de estar mais e mais e mais....
Até.... o céu desabar e tudo à volta ruir....
Os teus ais abafam e persistem....
O mundo sente-se só pois nós abandoná-mo-lo
E o que interessa o amanhã se hoje somos felizes?
Vem comigo amor.... dá-me tudo de ti....
.... sou teu.... só teu... só.... nosso.....

domingo, março 19, 2006

Tu



Só eu sei quem és....

Anjo caído.... como foi que o céu te perdeu?
Desceste em mim com toda a tua luz e levaste-me contigo!
Não sei mais viver sem esse castanho penetrante....
Sem esse vermelho atraente....
Sem esse dourado ofuscante!
Longe de ti estou perdido.
Sou um tronco vazio num bosque encantado,
um cavaleiro sem espada na derradeira batalha,
uma ida à praia sem toalha....
quelque chose incomplète
um botão de camisa, desabotoado....

domingo, março 12, 2006

The queen and the soldier

The Queen And The Soldier

The soldier came knocking upon the queen's door
He said, "I am not fighting for you any more"
The queen knew she'd seen his face someplace before
And slowly she let him inside.
He said, "I've watched your palace up here on the hill
And I've wondered who's the woman for whom we all kill
But I am leaving tomorrow and you can do what you will
Only first I am asking you why."
Down in the long narrow hall he was led
Into her rooms with her tapestries red
And she never once took the crown from her head
She asked him there to sit down.
He said, "I see you now, and you are so very young
But I've seen more battles lost than I have battles won
And I've got this intuition, says it's all for your fun
And now will you tell me why?"
The young queen, she fixed him with an arrogant eye
She said, "You won't understand, and you may as well not try"
But her face was a child's, and he thought she would cry
But she closed herself up like a fan.
And she said, "I've swallowed a secret burning thread
It cuts me inside, and often I've bled"
He laid his hand then on top of her head
And he bowed her down to the ground.
" Tell me how hungry are you? How weak you must feel
As you are living here alone, and you are never revealed
But I won't march again on your battlefield"
And he took her to the window to see.
And the sun, it was gold, though the sky, it was gray
And she wanted more than she ever could say
But she knew how it frightened her, and she turned away
And would not look at his face again.
And he said, "I want to live as an honest man
To get all I deserve and to give all I can
And to love a young woman who I don't understand
Your highness, your ways are very strange."
But the crown, it had fallen, and she thought she would break
And she stood there, ashamed of the way her heart ached
She took him to the doorstep and she asked him to wait
She would only be a moment inside.
Out in the distance her order was heard
And the soldier was killed, still waiting for her word
And while the queen went on strangeling in the solitude she preferred
The battle continued on

Suzanne Vega

Return to innocence

Return To Innocence
(Curly M.C.)

Love - Devotion
Feeling - Emotion

Don't be afraid to be weak
Don't be too proud to be strong
Just look into your heart my friend
That will be the return to yourself
The return to innocence.

If you want, then start to laugh
If you must, then start to cry
Be yourself don't hide
Just believe in destiny.

Don't care what people say
Just follow your own way
Don't give up and use the chance
To return to innocence.

That's not the beginning of the end
That's the return to yourself
The return to innocence

Enigma

Elegia a uma pequena borboleta

Como chegavas do casulo,
inacabada seda viva
tuas antenas fios soltos
da trama de que eras tecida,
e teus olhos, dois grãos da noite
de onde o teu mistério surgia,
como caíste sobre o mundo
inábil, na manhã tão clara,
sem mãe, sem guia, sem conselho,
e rolavas por uma escada
como papel, penugem, poeira,
com mais sonho e silêncio que asas,
minha mão tosca te agarrou
com uma dura, inocente culpa,
e é cinza de lua teu corpo,
meus dedos, sua sepultura.

Já desfeita e ainda palpitante,
expiras sem noção nenhuma.
Ó bordado do véu do dia,
transparente anêmona aérea!
não leves meu rosto contigo:
leva o pranto que te celebra,
no olho precário em que te acabas,
meu remorso ajoelhado leva!(...)

Pudeste a etéreos paraísos
ascender teu leve fantasma,
e meu coração penitente ser a rosa desabrochada
para servir-te mel e aroma,
por toda a eternidade escrava!
E as lágrimas que por ti choro
fossem o orvalho desses campos,
os espelhos que refletissem
vôo e silêncio
os teus encantos,
com a ternura humilde e o remorso
dos meus desacertos humanos!

Cecília de Meireles

Pois é...

Pois é... a vida às vezes é engraçada... quando menos esperamos prega-nos partidas. Talvez esteja a ser demasiado "cliché" mas é o que de facto me aconteceu. O que retiro de tudo isto é que, decididamente, não vale a pena fazer planos... querer ser o que não somos ou mesmo ansiar demasiado... quando menos esperamos há algo que nos surpreende e nos faz acreditar de novo na maravilha que é poder acordar todos os dias, ou todas as tardes, e dar graças por estarmos vivos.
Viver é, por si só, um estado de alma... não um estado físico.... porque aproveitar a vida ao máximo é deixar correr os dias, sorrindo a todos e adorando cada surpresa atrás de cada esquina...
Dizia-me hoje uma cliente, brasileira, extremamente simpática, embora de poucos sorrisos, "o que vale é que aqui estão todos bem dispostos"... gostei deste comentário, porque ele reflecte um pouco e, ao mesmo tempo, muito de mim! Adoro estar bem disposto, e só o consigo porque estou de bem com a vida. Porque a aceito como ela é. Apanho cada migalha de felicidade. Pois é de todas essas migalhas que se faz um sorriso interior permanente...
Eu sabia que era este o meu caminho. Sabia que haveria de chegar o dia em que alguém iria reparar em mim! Por aquilo que sou... porque sei que sou muito. Porque o desejo ser!
Não sei se é contigo que vou ficar, não sei se vou sequer passar mais um dia da minha vida contigo, mas uma coisa é certa, por tua causa consegui ver que ainda vale a pena ter esperança... que ainda há pessoas boas no mundo.... mais ainda... que ainda há quem queira algo mais que o vulgar modo de vida.
Hoje não te quero dar poesia... apenas quero mostrar que hoje sou teu, e que amanhã também o serei se assim me quiseres!
Je t'adore!