domingo, março 12, 2006

Elegia a uma pequena borboleta

Como chegavas do casulo,
inacabada seda viva
tuas antenas fios soltos
da trama de que eras tecida,
e teus olhos, dois grãos da noite
de onde o teu mistério surgia,
como caíste sobre o mundo
inábil, na manhã tão clara,
sem mãe, sem guia, sem conselho,
e rolavas por uma escada
como papel, penugem, poeira,
com mais sonho e silêncio que asas,
minha mão tosca te agarrou
com uma dura, inocente culpa,
e é cinza de lua teu corpo,
meus dedos, sua sepultura.

Já desfeita e ainda palpitante,
expiras sem noção nenhuma.
Ó bordado do véu do dia,
transparente anêmona aérea!
não leves meu rosto contigo:
leva o pranto que te celebra,
no olho precário em que te acabas,
meu remorso ajoelhado leva!(...)

Pudeste a etéreos paraísos
ascender teu leve fantasma,
e meu coração penitente ser a rosa desabrochada
para servir-te mel e aroma,
por toda a eternidade escrava!
E as lágrimas que por ti choro
fossem o orvalho desses campos,
os espelhos que refletissem
vôo e silêncio
os teus encantos,
com a ternura humilde e o remorso
dos meus desacertos humanos!

Cecília de Meireles

1 comentário:

André Bianc disse...

Ah ! Dona Cecília , desde pequeno você me faz chorar , como é linda sua tristeza !!!