sexta-feira, janeiro 30, 2009

Eros e Tanatos

Conhecia bem a noite. Fora nela que vivera toda a sua vida, nela aprenda a ver na escuridão, a encontrar a média, por vezes inexistente, luz, as cores do arco íris. Tinha sido feliz dessa forma.
Quando as janelas não se abrem, aprendemos a jogar com as sombras, a sorrir com os sons, a conversar com os cheiros. As frestas eram sempre a melhor altura do dia. Ansiava pela hora em que, embaladas por uma força quase divina, as partículas, pequenas, minúsculas, ínfimas, de luz o beijavam no rosto.
Então, percorria todo o pequeno espaço atrás do feixe que fazia os seus olhos brilharem. Parecia uma dança. A dança das fadas imaginava.
Nunca tinha conhecido uma fada. Nunca tinha sabido o que era querer conhecer uma.
Inesperada, pela manhã, quando se preparava para mais uma dança, veio e abriu-lhe as janelas de par em par. Escancarou a porta, fulminou o silêncio!
A vida dele mudou nesse dia.
Descobriu que afinal o seu corpo, pesado e raquítico, mirrado pela ausência de sentimentos, tinha cinco sentidos. Descobriu novos cheiros, novos aromas. Descobriu o que era tocar e ser tocado. Saborear e ser... saboreado. Abriu os olhos.
Ofuscado de início, sem saber o que fazer ou sentir, teve medo. A luz era para ele apenas uma fresta ao início da manhã. Agora, até na noite sombria o sol brilhava.
A fada, como passou a chamar-lhe sem que ela soubesse, não falava. Olhava-o, amava-o, tocava-o, sempre em silêncio. Perdera o dom da fala pensava ele. Talvez tivesse sido esse o seu sacrifício para que pudesse ter o dom de o acordar.
Quando se sentavam os dois à janela, olhando o rio, como sempre em silêncio, podiam ouvir-se um ao outro, afinal de contas, falavam a linguagem das almas.

Talvez ela sempre o tenha sabido. Ele, contudo, não o esperava.
Um dia, ao amanhecer, tudo estava escuro. A porta fechada. A janela trancada.
Pensou ser um erro, um sonho, um pesadelo.
Tentou gritar, em vão. Até a voz tinha perdido.
Dias passaram, meses, talvez até anos. O escuro em que antes se tinha habituado a viver, era agora parte dele. Apodera-se da sua alma que não mais falava, não mais ouvia.
Escuras. Cada vez mais escuras, as noites em que antes o sol brilhava, invadiram os dias e nem a lua o acompanhava já.
A pouco e pouco, cansadas de não terem com quem dançar, as frestas iluminadas partiram.
O vazio tomara conta do quarto onde antes vivera Eros e agora repousava Tanatos.

7 comentários:

izzie disse...

O silencio será o local, a partilha da alma que acordaste... da alma q és...
A escuridão... essa... dissipar-se-á.
Eu sei...
***

Ianita disse...

Ora...

Eros e Tanatos... uma invenção dos clássicos para mostrar que o amor-paixão era má escolha... para ensinar que a melhor forma de viver era em calmia, um amor sereno. Por isso a literatura clássica está cheia de casos assim, de amor paixão que leva sempre à tragédia... porque era pela literatura que se ensinava a viver...

Eneias vê morrer tudo o que ama: a pátria, o pai e Dido. Tudo o que pode inflamar um homem e fazê-lo perder-se. A Odisseia acaba com a vitória do amor instituido pelo casamento, e sai derrotado o amor-paixão. Podia continuar com os exemplos...

A verdade é que o amor institucionalizado é mais fácil. Com ele não corremos riscos.

O amor paixão queima-nos por dentro... e magoa... e mata... se não somos correspondidos... ou pelo menos se não somos correspondidos na intensidade que pretendemos... na intensidade de que necessitamos... corrói... queima... mata.

Ainda assim, não vi, nem na literatura, ninguém nunca dizer que aqueles breves instantes de luz não valeram a pena. Nem Dido quando desfere o golpe mortal... nem Penélope... nem Dejanira... ninguém.

Entre Eros e Tanatos há muitas áreas cinzentas... muitas possibilidades...

Kisses

Afrodite disse...

Tive um cão chamado Eros, o meu pequenino Deus do amor...se bem que acabou por ter que ir viver para casa de uns primos pois este Eros amava a chuva dourada...dele. Então, sempre que fazia um xixi, dentro de casa, deitava-se alegremente na sua urina. E acabou assim a história do Eros, pelo menos na minha casa :). Mas sei dele e sei que está bem. Continua porcalhão o Eros.

Abreijinhos ;)

stériuéré disse...

Caro poeta poente já há um tempo que não te visitava e peço desculpa por isso , visto que adoro o teu cantinho. Já reparei tb que mudaste o aspecto da tua página, e sinceramente acho que a mudaste para melhor. Adorei essa tua pequena história. Muitos beijitos pa ti e pá tua pequenota de que te tanto falas, heheheh e tb já vi as fotos dela no teu hi5 , é linda, assim como o teu espaço de trabalho. Que tudo corra pelo melhor. Abraço de uma amiga Sté

Lita disse...

Eu gostei do texto, porém, concordo em absoluto com a Ianita!!!! Completamente! :)

Anónimo disse...

Às vezes, na nossa vida, parece que a escuridão toma conta de tudo à nossa volta, sufocando, escondendo...
E quando surgem aqueles momentos preciosos de luz, o mundo volta a parecer um lugar bonito, onde apetecece estar e repousar.
Para logo a seguir, voltar a escuridão e, com, ela, a perda, a dor, a tristeza, o não saber sequer sentir...
Há que saber viver a 200% os momentos de luz, para, quando a escuridão voltar, haver sempre uma réstia cintilante de luz, que nos aquece e reconforta a nossa alma.
Que a luz esteja sempre presente, por mais ínfima que seja...

crazy_girl disse...

Eros e Thanatos, dois irmão que acidentalmente acabam com as setas misturadas... E assim se explica o amor que mata...
E o resto é silêncio...